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montesclaros.com - Ano 25 - terça-feira, 26 de novembro de 2024
 

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Mensagem: A Casa Montes Claros para mim é a dimensão da memória. Quando vou lá, sou assaltada por inúmeras lembranças. Às vezes, nem preciso ir. O aroma inconfundível de um manacá florido se insinua no ar e a imagem da nossa casa na Presidente Vargas, 68, esquina com Afonso Pena retorna intacta. Volto à minha cidade em busca de tempos perdidos. Já é tarde. A rua Presidente Vargas está deserta na noite quente. O calor pesado me cansa. Sento na escadinha do Clube Montes Claros, onde funcionou a barbearia de Claudionor um baiano arretado e elegante que a cidade acolheu. Olho as casas próximas. Ali está o bar de Idevano, onde Filomeno Bida – sempre de bem com a vida – tocava sua flautinha mágica e fazia espetinhos de carne, que impregnavam todo o quarteirão com aquele cheiro delicioso que enchia a boca de água. Desço mais um pouco e procuro pela sapataria de Tião Boi, onde a meninada da época discutia futebol de manhã até à tardinha. Lá estão Fernando Gontijo com seus lindos olhos azuis, Flávio Pinto, meu irmão Paulinho, Zé César Vasconcelos, Taque Maia, Augustão “bala doce” e tantos outros. O Bar de Horácio, onde se vendia frutas e verduras da Fazenda das Quebradas e a sapataria de Lourival onde ele fabricava lindas sandálias. Chego à minha casa. Passo a mão sobre paredes ásperas, mas sinto uma emoção de veludo e penso que minha mãe pode estar lá dentro. Dou a volta pelas ruas Afonso Pena e Padre Augusto, não encontro “vivalma”. Mamãe usava essa expressão. Entro em casa carregando minha mochila de saudades. Toco paredes conhecidas, reconheço meus espaços, sinto aconchego. Revejo os meus. Como estou à mercê do atemporal da janela do meu quarto, vejo a formação de densas nuvens. Começa a chover, e o ar revigorante da chuva me embriaga de vida. Vou para o quintal receber os primeiros pingos. Ela cai mansa, prazerosa como uma bênção do céu. A fragrância das flores do pé de manacá, da laranjeira inunda o ar, e o cheiro de terra molhada me inebria. O pessegueiro rosa, em flor, balançava a beleza de sua floração ao sabor da brisa. Despeço-me deles e retorno ao alpendre, onde se reuniam os amigos, a família, a vizinhança. Um pequeno jardim de folhagens enfeitava a simplicidade daquele local. Quando meu pai ainda era vivo, nas manhãs de domingo acontecia o campeonato de xadrez. O silêncio era tanto, que se ouvia o vôo de um mosquito. Papai, Dr. Carlaile Teixeira, Nei David, Sabu, Geraldo Brandão ficavam horas a movimentar as peças no tabuleiro, concentrados, distantes do mundo. A cadeira de balanço, a cadeira onde mamãe bordava e fazia crochê, a velha máquina “Singer” onde costurava nossas roupas com o maior capricho; a rede, a claridade da lua cheia, o som das vozes fraternas completavam o mapa daquela parte da casa. Em Minas, a existência decorre em torno de uma mesa. Lá está a mesa oval coberta com uma toalha engomada por “Sá Elisa”, nossa lavadeira de uma vida. Sobre ela, bolos, biscoitos, café, leite, queijo, pão fresquinho esperando as amigas para o café da tarde. Elas vinham para o centro da cidade fazer compras e sabiam que encontrariam um cafezinho passado na hora, no coador de pano. Amizades sinceras, conversas amenas, boas risadas. Eram tardes que todos mereciam ter. Às vezes, minha mãe tinha um quê de solidão no olhar, apesar de rodeada de amigas. Entro novamente no meu quarto. Duas camas cobertas com cobre-leitos em “Shintz”, estampado floral em tons rosáceos. Separando-as um criado-mudo. A penteadeira, o guarda-roupa, onde na parte interna colava os retratos dos artistas de cinema que eu mais gostava. Lá era também nossa sala de visitas. Recebíamos nossas amigas, trocávamos segredos: sabe quem está namorando Fulano? Fulana está flertando com beltrano. Ah! Você não acredita! Sicrana tão nova, menstruou semana passada. - “Ce” ta doida! - Ela está toda prosa porque já está usando soutien. Quantas vozes, quantos ruídos. O rádio RCA Victor ligado na Rádio Nacional ou na saudosa ZY D-7. Quantas emoções se confundem nesse emaranhado de lembranças em que a trama do tempo me envolveu. Minha casa, em cada canto uma história. Era o pequeno universo fechado, aconchegante, onde vivi muitos anos e que encerrou em suas paredes, recordações suaves, felizes, sofridas, tristes. Termino minha enternecida viagem de reencontro. É preciso tocar a vida para frente porque ela nunca volta para trás. O grande desafio é viver bem o aqui-agora. Abro as janelas, deixo o sol entrar, agradeço a vida. A casa já não existe, mas será sempre minha e eu lhe pertenço. Como disse o poeta: “As coisas findas, muito mais que lindas, estas ficarão”. Carmen Netto Victória

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