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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 25 de novembro de 2024
 

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Mensagem: (Do livro ´Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos´ - Parte 11)


A TINTA SARDINHA E AS BELAS
ASSINATURAS

Sempre tive todos os sentidos muito aguçados, notadamente o olfato.
Quando entrei para a Escola Rural Mixta de Várzea da Palma, aos seis anos e meio de idade, captava no ar o cheiro da tinta Sardinha. Era a tinta de escrever que todos os alunos usavam. Vinha em vidros redondos, achatados. Custava 300 réis, cada vidro.
Eu gostava do cheiro da tinta. E gostava também do ranger da pena MALLAT no 12, no papel, quando se escrevia.
Queria aprender depressa a escrever o meu nome. Para fazer como o ferreiro Tertuliano Silva e o professor particular José Maria Guimarães.
Eles alisavam o papel sobre a mesa, molhavam a pena no tinteiro e a seguir executavam dois a três volteios com a mão e feito isso assinavam caprichadamente os seus nomes, com as maiúsculas enfeitadas de bonitos floreados.
Sabiam escrever bonito, aqueles dois...
A fábrica da tinta distribuía um folheto que trazia esta quadrinha:
Não chores assim,
não chores maninha,
que dou-te um vidro
de tinta Sardinha.

PASSATEMPOS

Não havia rádio nem televisão. Outros eram os passatempos domésticos.
Em nossa casa havia violão, viola e sanfona de oito baixos. Baralhos e tabuleiros de damas. E cartelas e pedras para o jogo de víspora. De vez em quando apareciam quebra-cabeças de arame ou de madeira.
Os jogos mais praticados no baralho eram o jogo de burro, truco, douradinha, vinte e um, sete e meio.
Todos se utilizavam desses passatempos, de modo que cedo comecei a me divertir no violão.
Naquele tempo, o bonito era conhecer muitos floreados e não ritmos, como hoje. Lembro-me de dois floreados que aprendi primeiro, ambos em sol maior. Da primeira posição para a segunda e voltando da segunda para a primeira. Para memorizá-los criei letras para ambos. “A rosa nasceu do galho”, para o primeiro e “o nosso amor verdadeiro”, para o segundo. Ao relembrar essas passagens do início de minha infância me detenho na segunda frase - o nosso amor verdadeiro. Que significado teria para um menino de 6 a 7 anos a palavra amor? E porque fui buscá-la para ilustrar aqueles floreios do violão? E porque “verdadeiro”? Já teria àquele tempo intuição maior do significado do amor, e da existência de amores verdadeiros e falsos?
Mais tarde, com dez anos e meio de idade, quando passei um ano em Pirapora, para fazer o 4o ano primário, gostava de acompanhar a banda de música pelas ruas, em datas festivas, ouvindo a execução de seus dobrados. Como não tinha a quem perguntar, eu punha nome e letras no que ouvia. Letras sem nexo, representativas do que aquelas melodias desconhecidas despertavam em mim. Ainda me lembro de uma dessas melodias. A letra que criei era assim:

Guarda como um tesouro,
guarda como um tesouro.
Guarda como um tesouro,
o tesouro carioca.
Parará-tá-tá - Bum!

UTENSÍLIOS, FERRAMENTAS, CRIAÇÕES ETC
EXISTENTES EM NOSSA CASA

DIVERSOS
Oratórios com santos, estampas de santos, pilão e mão-de-pilão, retratos da família e de parentes, peneiras de arame e fibra, barris e tambores para água, lata tipo querosene, latas para leite, gancho tridente com corda para retirar latas e outros objetos que caíssem nas cisternas, tacha de torrar café, gamelas para amassar biscoitos e pães, tachas para assar quitandas, forno com porta dando para o interior da cozinha, vassouras de varrer casa, de varrer quintal e de limpar telhado por dentro, lanterna de mão, lampiões belga, lamparinas a querosene e azeite, máquina de moer carne, guarda-chuvas, galochas, além dos móveis e utensílios comuns de copa, cozinha, dormitórios e sala de visitas.
E mais: canastras, espreguiçadeiras, cofre Bergamini, escadas, brochas, pincéis, selas, cangalhas, arreios de carroça, cabides de parede e de pé, bacias de rosto e de banho, lavatório, jarras e bacias esmaltadas, quadros de paisagem nas paredes da sala de fora, reproduções de quadros de generais da primeira guerra mundial, relógio em forma de 8, de bater horas e quartos de hora, relógio despertador, termômetro Casella, vidro de tirar ventosa, ferro de acertar casco de animais para assentar ferraduras (puxavante). Bacias grandes, para banho, e menores para lavar os pés. E bacias de rosto, com jarro e lavatório metálico, em cada quarto, pois não havia água canalizada nem pias. Laços de couro e cordas de uso na pecuária, e cordas de pular.

FERRAMENTAS
Machado, serrote, martelo, turquês, alicate, chaves de fenda, pua, seguetas, nível, compasso, esquadro, metro e fita métrica, escala, fio de prumo, enxada, enxadão, picareta, alavanca (lebanca), lima e limatão, grosa, arranca-prego, pregos, chaula ou pá, parafusos, funis, machadinha de marcar madeira, fogareiro com ventoinha, tipo forja, para queimar veneno (arsênico e enxofre) e injetar fumaça venenosa em formigueiros.

ANIMAIS DOMÉSTICOS E PÁSSAROS
Cachorros, gatos, papagaios, passarinhos (bicudo, patativo, pintassilgo, curió, canário), sagui e quatí, galos e galinhas, cocás, patos, perus, cabras e cabritos, porcos no chiqueiro, vaca para leite.

LIVROS
Chernoviz, Bíblia, Dicionário de Jayme Seguiér, Os Sertões, O Guarany, Iracema, O Mistério da Estrada do Sintra, Os Miseráveis, Manual del Curtidor.

PARA O LAZER
Baralhos (novo para gente grande e velho para as crianças), sanfona, violão, viola, tabuleiro de jogo de damas, espingarda cartucheira e Flaubert, revólver, facão, anzóis, carrinho de mão, carrocinha de mão.

JOGOS DE BARALHO
Jogos de baralho: burro, truco, batalha, sete e meio, vinte e um, douradinha e douradão, estenderê e estenderê de monte, fedor, bisca, pôquer, dominó, paciência.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)

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