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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 25 de novembro de 2024
 

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Mensagem: Aquele Ringue... foi o máximo Ruth Tupinambá Graça Muita gente não sabe, mas por incrível que pareça, Montes Claros já teve um rinque de patinação. Isto foi lá pelos anos trinta. Uma empolgação tremenda tomou conta da juventude. Era uma grande novidade e ele surgiu, milagrosamente, pode-se dizer, pois quem se arriscaria construir e equipar um rinque quando Montes Claros não possuía estrutura para o mais simples esporte? O santo milagreiro foi um sírio que se chamava David Persiano. Ele veio para Montes Claros antes mesmo da Central do Brasil, como mascate, vendendo sedas, casacos de pele, perfumes, colchas chinesas, tapetes, tudo importado e da melhor qualidade. Gostou da hospitalidade do sertanejo e aqui se instalou com uma grande casa de móveis e artigos importados, localizada na Praça Dr. Carlos ao lado, onde é hoje o prédio da Caixa Econômica Federal. Apaixonou-se por esta terra e para cá trouxe sua mulher e filhos. Levava vida de rico, era hábito seu passear à tarde (para lá e para cá) em frente à sua loja. Andava impecável, terno de linho branco, colete e uma grossa corrente com relógio de ouro, à tiracolo, sapato de duas cores, um enorme charuto, da melhor qualidade no canto da boca. Apreciava um jogo de baralho, principalmente o Poker. Fez grandes amizades com políticos da terra (companheiros de jogo) e sua casa era freqüentada pela nossa melhor sociedade. Sua mulher, dona Sara, era uma mulher gorda e baixa, sem vaidade, neste ponto o oposto do marido. Vestia-se simplesmente. Era amável e atenciosa. Presenteava os vizinhos com pratinhos de quibe e outras especiarias que fazia, é claro, com perfeição, que era para nós grande novidade, pois em matéria de culinária estávamos muito atrasados. O nosso forte era arroz com carne e pequi, feijão de tropeiro, carne de dois pelos e tutu com lingüiça, que embora deliciosos, estavam muito aquém do sofisticado menu estrangeiro. Não sei mesmo porque, uma família síria e muito rica se interessaria tanto por nossa terra, tão desprovida de conforto e atrativos, naquela época. Nem mesmo o comércio era tão vantajoso. Talvez quisesse apenas o sossego e a paz do sertão. O dinheiro viria por acréscimo. Seus filhos cresceram aqui e muita gente ainda se lembra da sua filha Rosinha Persiano, uma turquinha bonita e muito alegre, que se casou com Gabriel Cohen, negociante de móveis aqui durante muitos anos (montes-clarense do coração) deixando aqui grandes amizades. E foi nesta disposição, bastante relacionado em Montes Claros, que seu David resolveu brindá-la com um rinque de patinação. Ao lado de sua loja, possuía um terreno que servia de depósito de mercadorias e que se alongava até a Casa Alves, com fundos para a rua Simeão Ribeiro, hoje Quarteirão do Povo. De repente começaram os preparativos para a construção que era acompanhada com ansiedade pelos montes-clarenses. Aquela novidade caíra do céu, para uma cidade sem nenhuma diversão, além do rádio e um cineminha duas vezes por semana. Seu David, de mãos no bolso, peito estufado e charuto no canto da boca, inspecionava a grande obra cheio de entusiasmo. Mas a lerdeza dos nossos operários já irritava o turco que, no seu sotaque enrolado de estrangeiro, gesticulava nervoso enquanto a obra, não obstante, seguia em ritmo de tartaruga... Os curiosos também, diariamente visitavam admirados com tantas novidades e que o turco explicava, todo vaidoso, pois ninguém no nosso meio conhecia, de verdade, aquele esporte a não ser através de revistas e cinemas. Depois de uma peripécia, o rinque ficou pronto, mas veio a novela dos patins, que a morosidade do nosso transporte foi o culpado. Mas chegaram e finalmente a inauguração foi anunciada. Muita gente, cerveja à vontade, banda de música e até foguetes. Seu David felicíssimo ao lado da família, recebia os cumprimentos explicando o funcionamento dos patins ali expostos. No dia seguinte, a mocidade montes-clarense já se movimentava para a estréia do esporte. Foi uma loucura. Não havia um treinador e o aprendizado seria por conta própria. De patins nos pés e soltos na arena, enquanto um gramofone rouco tocava valsas lentas (Danúbio Azul, Saudades de Ouro Preto, Branca etc.) a moçada se agarrava ao cano que circulava a enorme extensão cimentada. Num esforço tremendo, soltava um pouco aquele bendito cano, mas eram tombos e mais tombos. As moças, preocupadas em segurar as saias (naquele tempo o uso de calças compridas e shorts era proibido) se descontrolavam, não conseguiam se equilibrar e rodopiar ao som da música. Foi uma luta, mas ninguém desistiu. Todas as tardes tentavam e aos poucos, foram progredindo, à custa de tombos, escoriações e até pernas e braços quebrados. Moças e rapazes disputavam e faziam grandes apostas. No fim de um mês já conseguiam soltar o cano, dar voltas ao longo da pista e os mais espertos faziam até piruetas. A nossa turminha famosa: Yeda e Yolanda Maurício, Zuleika e Mary Bessone, Carmem e Íris Sarmento, Ydoleta e Maria Maciel, Luíza Guerra, Ruth Tupinambá, Alaíde Amorim, Wanda e Heloísa Veloso, Stela Jansen, Biá e Jaci Veloso, Helena de Paula, Lia Prates e muitas outras. Os rapazes dos bancos, Comércio e Indústria e o Hipotecário e Agrícola do Estado de Minas Gerais (únicos da cidade) e estudantes em férias: Hermes de Paula, Jacinto Fróis, Raul Peres, Pedro Santos, Waldir e Darcy Bessone, Abelar e Aderval Câmara, Antônio Augusto Veloso, Benjamim dos Anjos e outros. Eles pagavam dois mil réis pe¬los patins e poderiam rodar à vontade. Para as moças eram gratuitos. Nossa turminha mais esperta (gente mais nova) já conseguia dar show. Usávamos saia rodada e comprida e ao som das valsas rodopiávamos em toda extensão do rinque. Por mais cuidado que tivéssemos, as saias se levantavam e as pernas sempre apareciam... e eram admiradas e cobiçadas pois naquele tempo, só mesmo as pernas, e mesmo assim davam o que falar. Aquelas tardes de patinação eram animadíssimas e os curiosos não perdiam aquele espetáculo! As famílias mais preconceituosas não deixavam as filhas freqüentarem o rinque, consideravam imoral e indecente aquele extravagante esporte. Nas temporadas do Rei Morno o rinque era bem aproveitado para os festejos carnavalescos. Seu David cedia-o gentilmente, pois era o próprio folião, com fantasia de sua terra, por sinal, muito cara e bonita. Com turbante e tudo mais, exibia o lança perfume Rodo, muito cheiroso e embriagante, mas quando acertava nos olhos... Pouca gente tinha condições de usá-lo, pois era caro e vinha de longe e quem conseguia este privilégio, ao invés de gastá-lo perfumando o cangote das donzelas usava-o, por maldade, nos olhos dos curiosos que sapiavam no sereno. Seu David era civilizado e entre confetes e serpentinas, sabia se divertir com sua família nos três dias de carnaval. Naquele tempo (mocidade em flor) ninguém se preocupava nem avaliava o furo que aquele belo esporte causava aos cofres do seu David. Não sei mesmo porque ele acabou, foi uma pena. Talvez a valorização chegando em nossa terra despertou o interesse pelas cifra (há tempos adormecido) e o seu David resolveu vender aquele terreno ou transforma-lo em lojas. Todos aproveitaram muito do rinque de patinação que marcou época em Montes Claros. Até os senhores papéis queimados nunca perdiam a hora da patinação. Horas agradáveis, descontraídas e uma oportunidade para os namorados. Muitos romances começados ali, ao som das valsas lentas (em contraste a chieira dos patins) terminaram em casamento. Para seu David foi só prejuízo, mas para nós aquele rinque foi o máximo, e nos deixou muita saudade.

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