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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 25 de novembro de 2024
 

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Mensagem: JACARACI

José Prates

De vez em quando, me vem à lembrança os anos de minha infância na cidadezinha de Jacaraci, lá no sertão baiano. Ali eu nasci, numa casa baixa, caiada de branco, com portas e janelas azuis. Ficava no Largo da Feira e era, também, a loja de tecidos do meu avô Daniel. Vivíamos ali com meus avós, meu pai, minha mãe e meus irmãos, todos juntos na mesma casa, num convívio gostoso, onde problemas não eram conhecidos, pelo menos por mim. A sala de visitas, espaçosa, assoalhada, tinha uma parede coberta por retratos emoldurados de parentes e amigos, homenageados naquele espaço reservado. Na outra parede, o quadro de Jesus no horto, dava um ar solene ao ambiente. Ainda me lembro das novenas rezadas à noite, com Tio Tone de terço na mão, de joelhos em frente ao altar forrado com lençóis rendados, armado naquela sala de visitas, recitando Ave Maria, acompanhado pelos presentes, na maioria mulheres Depois da reza, um café com leite, servido com biscoito de polvilho, feito por tia Cândida, completava a noite de orações e louvores à Virgem.

Jacaraci era pequena, bem pequena naquela época. Não sei como está hoje. Eram três ruas e três praças, que chamavam de “largo”, que a compunham: a rua de baixo, onde morava o tio Tone, “seu” Antônio Julio para os outros. Morava numa casa grande com grande quintal que ia até o pequeno rio que cortava a cidade; tia Cândida com sua vendinha e “seu” Athanásio com sua loja de tecidos e no meio a venda de “seu” Otávio que tinha “de um tudo”: da cachaça ao feijão. No largo da feira, a rua terminava. A rua do meio era a mais movimentada. Foi nessa rua que eu e os meus irmãos nascemos. Tinha um sobrado de dois andares, onde morava meu primo Celso, coletor estadual, esposo de Judite, pai de Celdite. A rua do fogo era a última, ficava lá em cima, onde morava meu tio Juvenato, com os meus primos Tone e Nozinho companheiros de brincadeiras nas ruas tranqüilas. Descalços, sem camisa, corríamos rua à fora, montados em cavalos de pau. Á noite, no quintal grande de nossa casa, a meninada reunida, brincava de “cavalhada”, representando a a luta entre mouros e cristãos, com o seqüestro da princesa, que era representada por um menino vestido de menina, porque menina não podia brincar com meninos Tinha, também, a rua das pedras, uma rua pequena, pararlela à Rua do Fogo. Nessa rua, os pais não permitiam que a meninada fosse. Era a rua das raparigas.

O sábado era um dia especial, dia de festa para a meninada: dia de feira. A praça enchia de povo vendendo e comprando. Das “roças” que significavam sítios e fazendas, vinha o que o povo da cidade necessitava, trazido no lombo de animais e exposto nas bancas armadas, tomando toda praça. Era muita gente que buscava a feira. A vozearia era ouvida de longe. Meu tio Juvenato tinha uma “banca” dentro do “barracão” onde vendia caldo de cana que chamavam de garapa, servido com requeijão e tijolo e custava duzentos réis o copo. Tijolo era uma espécie de rapadura especial, muito gostosa, aliás. Na feira não havia balanças, exceto na banca de carne, porque naquelas bandas os produtos como arroz, feijão, milho, farinha, etc. eram vendidos a litro, que tinha como medida uma vasilha quadrada, feita de madeira, devidamente aferida. Era a medida legal, usada em todo mercado de secos.

No domingo, o que havia de importante era a missa. A igreja sem bancos, com cadeiras próprias de uns poucos, deixava o povo que vinha da roça, sem lugar para sentar-se. As mulheres com chales cobrindo a cabeça e saias rendadas cheias de babados, sentavam-se no chão, esparramadas na nave da igreja, uma perto da outra, com rendas e babados estendidos, colorindo o assoalho. Os homens, de chapéu na mão, ficavam de pé. No coro, as moças, “Filhas de Maria”, entoavam hinos enquanto aguardavam o inicio da “missa cantada”. A missa dominical era uma festa semanal, quando todos tiravam a roupa do baú, com cheiro de naftalina, pra mostrarem-se almofadinhas, com cabelos brilhando, penteado com glostora, uma pomada usada na época.

Um dia, com oito ou nove anos de idade, não me lembro bem, o sacristão da Igreja, André, nosso conhecido, que, também, era carpinteiro, começou a me ensinar ajudar a missa. O vigário era o Padre Mário, holandês, há muitos anos na Paróquia. Aprendi, com algumas dificuldades, o latinório e, um dia de domingo, estava eu ajudando a missa, ao lado do sacristão, para surpresa dos presentes e emoção de meus avós. Até aquele dia, naquela igreja, nenhuma criança havia subido ao altar para ajudar a missa. Não demorou muito e o Padre Mário foi embora, vindo para seu lugar o Padre Francisco Rastetter, alemão, que veio acompanhado da mãe e da irmã, que fizeram para mim, as vestes de coroinha, coisa, então, totalmente desconhecida naquela Igreja. Ensinei a Julizar e Gutemberg e passamos os três a enfeitar as missas dominicais com a nossa presença. Eu e Julizar ajudávamos o sacerdote, enquanto Gutemberg ficava com o turíbulo. Foi ai que ganhei a primeira namoradinha: Nair. Namoro inocente, amor sem desejo. Não sei se ela ainda existe.

O que não me sai da memória e penso que jamais sairá é a escola, a pequena escola, que pela qualidade da mestra, a professora Julieta, esposa do Cel Mozart, prefeito municipal, mãe de Julizar, Gutemberg, Ieda, Juraci, foi o alicerce de minha vida profissional como jornalista e, depois, a base para os cursos que vim a fazer, ao longo de minha vida. Ficava na esquina da Rua do fogo com a praça ou largo da Igreja. Eram duas salas de aula, uma para meninos e outra para meninas, que estudavam separados. Onze horas, terminavam as aulas. Acabava a escola, como diziam. Para encerramento, meninos e meninas juntavam-se na sala dos meninos e entoavam um hino patriótico.

A cidade pequena tinha pouca opção de lazer. Alem dos bailes que, de vez em quando, aconteciam no salão da Prefeitura, ou alguma peça levada ao palco do pequeno teatro, nada mais acontecia. Inventivo, o Prefeito Mozart David, filho da cidade, procurava por todos os meios, trazer para a cidade alguma inovação que servisse de lazer para os habitantes. Dentro desse espírito inovador, a grande novidade foi o banheiro público. Ele traçou os planos e orientou a construção. Ficava ao fundo do Parque Municipal, recém criado, um grande espaço de lazer, com trapézios, gangorras, pista de corrida, etc; . Foi a primeira vez que o cimento chegou até a cidade. Aproveitando uma pequena queda d’água, fez-se uma represa com uma profundidade mais ou menos de um metro e meio, uma espécie de piscina, toda cercada por muro alto, permitindo privacidade aos banhistas. Uma placa indicava se ocupado ou livre. O banho coletivo, a meninada toda, completamente nus, era uma farra que se repetia todas as tardes. Á noite, à luz da lua, as moças se juntavam para o banho coletivo. Depois, contarei mais.

Gostaria de ter noticias de lá - E-mail jprates1or@bol.com.br.

(José Prates é jornalista e Oficial da Marinha Mercante. Como tal, percorreu os cinco continentes em 20 anos embarcado. Residiu em Montes Claros, de 1945 a 1958, quando foi removido para o Rio de Janeiro, onde reside com a família. É funcionário ativo da Vale do Rio Doce, estando atualmente adido ao Sindicato dos Oficiais da Marinha Mercante, onde é um dos diretores)

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