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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 25 de novembro de 2024
 

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Mensagem: Não há vagas

Manoel Hygino (Jornal ´Hoje em Dia´)

Assinante deste jornal durante anos, meu leitor diário, o cônego Murta, educador, latinista e falante culto do francês, sempre perguntava como encontrava eu assunto para preencher este espaço todos os dias. No entanto, como lhe explicava, não há mistério ou segredo.
Os temas estão diante de nossos olhos, os fatos preenchem todos minutos das horas. O sol inclemente ou a chuva que destrói casas e sacia os campos; a mulher que apanha, em seus oitenta anos, restos de comida no lixo; os meninos que choram nos braços das mães; o tiro que mata um inocente no recesso do lar; o ônibus assaltado com dezenas de pessoas a bordo, a guerra pelos muitos lugares do mundo; o passarinho que canta na janela, a buzina estridente na via pública.
Os fatos aí estão, são o alimento de quem escreve, de quem se dedica à comunicação, seja pelos meios modernos e vertiginosos, seja pelos livros. Não falta assunto, mesmo que não se trate da morte de um homem de bem zelou pelos que estavam em seu convívio, sob seu aconselhamento, no norte de Minas.
Também os poetas, como os cronistas, são porta-vozes do tempo. Ferreira Gullar, sob o prosaico título de ‘Não há vagas‘, conta um pouco da epopéia humana do cotidiano: ‘O preço do feijão/não cabe no poema. O preço/do arroz/ não cabe no poema./Não cabem no poema o gás/ a luz o telefone/ a sonegação/ do leite/ da carne/ do açúcar do pão.
O funcionário público/não cabe no poema/com seu salário de fome/sua vida fechada/em arquivos./Como não cabe no poema/ o operário que esmerila seu dia de aço/ e carvão / nas oficinas escuras/
-Porque o poema, senhores,/está fechado: ‘não há vagas‘/só cabe no poema/ o homem sem estômago/ a mulher de nuvens/ a fruta sem preço
O poema, senhores,/ não fede/nem cheira‘.
O poeta não apenas curte, pois também, e mais que os outros freqüentemente, sofre. Foi o que disse Bandeira: ‘Eu faço versos como quem chora/De desalento...de desencanto.../Fecha o meu livro, se por agora/Não tens motivo nenhum de pranto. -‘Meu verso é sangue. Volúpia ardente.../Tristeza esparsa...remorso não...‘Dói-me nas veias. Amigo e quente,/Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca, Assim dos lábios a vida corre,/ Deixando um acre sabor na boca..Eu faço versos como quem morre.‘
Em ‘Nova Poética‘, o vate pernambucano que morava no Rio de Janeiro na Lapa, abre-se, com dolor: ‘Vou lançar a teoria do poeta sórdido./Poeta sórdido:/Aquele em cuja a poesia há a marca da vida.
Vai um sujeito, /Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó de uma nódoa de lama:
É a vida.
O poema deve ser como a nódoa do brim: /Fazer o leitor satisfeito de si, dar o desespero/ Sei que a poesia é também orvalho. /Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas/ as virgens/ cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade‘.
O dever de quem escreve, quotidianamente. Sofrendo, sorrindo, morrendo com os que morrem, vivendo com os que ainda vivem. Esta a missão, implacável mas indesviável. Os tempos mudam, mas pouco mudam os homens. A grande revolução do homem ainda não se fez ou não se consolidou. Resta apenas acompanhar.

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