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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 25 de novembro de 2024
 

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Mensagem: QUEM-QUEM DO PASSADO

José Prates


“Sou moradora de Quem-Quem...”, diz Mercia Silva, em sua mensagem Eu a li com interesse, porque, também, morei em Quem-Quem. Não foi ontem, que estive lá como morador. Foi há muito tempo passado, quando, talvez, Mercia nem sonhava em nascer. Foi naquela estação ferroviária que tive a minha primeira experiência como funcionário da Estrada de Ferro. Recém nomeado, fui para lá para substituir o Agente que entrava em gozo de férias. Não era um arraial, nem sequer um povoado. Naquele lugar, fora a estação, não tinha mais nada de importância que chamasse atenção ou atraísse pessoas para lá. Era uma fazenda de “seu” Paculdino, entregue a Demerval como administrador. Uma grande extensão de terra, sem nada cultivado além de pasto para o gado. O rio verde, caudaloso, cortava a fazenda de lado a lado e era onde íamos pescar à noite, na busca do peixe para o almoço do outro dia. Sem o peixe, era pegar a espingarda e ir logo cedo, pra beira do rio caçar marrecos ou ir ao milharal de Zequinha caçar pomba verdadeira. Uma vez, no mandiocal de “seu” Arlindo, cacei um porco do mato que pesou quarenta quilos. Foi uma festa quando chegamos no pátio da estação com o animal morto. Ali mesmo foi esquartejado e cada um levou o seu pedaço.
Como agente, eu tinha pouco a fazer. O trem passava de manhã, descendo e à tarde, subindo. Trem mixto, que parava na estação para descarregar as sacas de mantimento despachadas para as fazendas vizinhas, que já estavam de carroças no pátio da estação, aguardando a carga. Como eu disse, Quem-Quem, naquele tempo não era nada além de uma fazenda criatório de gado, destinado ao abate nos grandes frigoríficos, para onde era despachado em vagões lotados. Casas residenciais eram poucas, de contar nos dedos: a casa do agente, e a casa do guarda-chaves que ficavam no pátio da estação; a casa sede da fazenda e logo adiante a casa de Manoelzinho da serraria. Do outro lado, a venda de Dominguinhos onde à tarde o pessoal da turma ia tomar cerveja e beber cachaça com tira-gosto de torresmo. Perto da estação tinha a casa de Zé Antônio, caçador corajoso, sempre procurado por fazendeiros pra caçar a onça que ameaçava o rebanho. Tinha sido enfermeiro na construção da estrada. Casou-se com uma moça da redondeza e ali foi ficando. As casas da turma era bem lá em baixo, quase na beira do rio, perto da caixa dágua que abastecia as locomotivas. Por incrível que pareça, não era tedioso morar ali. Era, até gostoso.
À noite, o guarda chaves pegava o violão e íamos pra plataforma iluminada a lampião de querosene e ali ficávamos até altas horas. Rádio? um ou dois, à pilha. Ouvia-se como obrigação, o Repórter Esso com Heron Domingos e a novela o Direito de Nascer. Para ouvir a novela, vinham as mulheres e crianças e faziam roda em torno do rádio, sentadas em cadeiras que traziam de casa. Pois é. Esse era o Quem-Quem que eu conheci e onde iniciei minha carreira de funcionário público. Hoje, talvez seja um povoado com muitas casas e muitos habitantes, um distrito de Capitão Enéas que era Burarama, depois Glaucilândia e numa homenagem mais do que justa, tornou-se Cidade Capitão Enéas. Pois é, Senhora Mércia, ai está a história. de Quem-Quem. Conte aos seus filhos, se os tem. .Se não, faça isto quando os tiver.

(José Prates é jornalista e Oficial da Marinha Mercante. Como tal, percorreu os cinco continentes em 20 anos embarcado. Residiu em Montes Claros, de 1945 a 1958, quando foi removido para o Rio de Janeiro, onde reside com a família. É funcionário ativo da Vale do Rio Doce, estando atualmente adido ao Sindicato dos Oficiais da Marinha Mercante, onde é um dos diretores)

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