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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 24 de novembro de 2024
 

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Mensagem: (Do livro ´Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos´ - Parte 28)

Em Várzea fazíamos serestas cantando as canções de Orlando Silva, Francisco Alves, Sílvio Caldas e as modinhas de João Chaves.
Amanheci decidido. Ia voltar para Várzea. Mas eu não tinha um tostão no bolso. Precisava no mínimo de 5.000 réis para voltar de carona até Corinto e com a ajuda de Manoel de Sá, fazer o pernoite no hotel e prosseguir no outro dia para Várzea. Meu ordenado era de 150.000 por mês, cativo a 70.000 de pensão. Por dia, líquidos, eu ganhava 2.666 réis. Se eu possuísse 5.000 réis, voltaria imediatamente. Mas como não tinha, restava-me trabalhar até sábado, quando diria que viera a título de experiência e que desejava receber o saldo dos dias trabalhados.
Assim decidido, trabalhei os restantes dias da semana e no sábado aguardava a hora de fechar a loja para conversar com o sr. Adair.
Mas no sábado, à tarde, antes, portanto, da minha conversa, o sr. Adair me falou:
– Juramento agora tem delegado novo. E ele quer mandar no horário das lojas. Até recentemente ninguém fechava aos domingos. Era muito bom para o povo da roça, que vinha fazer suas compras sem perder dia de serviço. Mas o novo delegado espalhou edital por todo lado proibindo o comércio de funcionar aos domingos. Nós estamos cumprindo, em parte. Eu fecho as portas mas conservo aberta essa primeira porta que é de entrada para a loja mas também para a residência. E atendo aos fregueses.
Eu o ouvia, com um pé atrás, como se diz. Com receio de que aquela conversa viesse atrapalhar minha decisão.
E o sr. Adair prosseguiu.
– Amanhã cedo estou indo a Glaucilândia. Você vai tomar conta da loja. Abra a porta e fique atento. Pode atender a todo freguês que vier. Se o delegado aparecer você dirá que a loja está fechada. Que a porta aberta é a da residência. E a ordem que você tem é para atender a algum freguês que necessitar com urgência de alguma mercadoria indispensável para ele.
No resto da tarde, enquanto trabalhava eu pensava. O sr. Adair não me conhece. E no entanto está confiando em mim. Está me autorizando a tomar conta da loja. A vender e receber dinheiro, sem fiscalização alguma. Essa atitude dele me comoveu. E raciocinei: eu sou honesto, mas ninguém é obrigado a achar que sou. Se ele acha, então ele merece meu respeito. Não posso dizer a ele, à noite, que vou sair. E decidi fazer o sacrifício de ficar mais uma semana e sair no sábado seguinte. Havia um dado positivo nesse adiamento. Eu não iria precisar do empréstimo do sr. Manoel de Sá para a carona de Corinto.
Ficou então a minha decisão prorrogada para o sábado seguinte. Foi uma semana de muito trabalho. Tive de acostumar-me a carregar nos ombros sacos de cereais de 60 quilos, que apanhava no armazém, localizado em outro prédio, para refazer os estoques do varejo. Era trabalho pesado para quem pesava apenas 52 quilos e não estava habituado a carregar volumes de 4 arrobas. Cabia-me também receber na balança do armazém as compras de algodão e mamona. Mas o serviço mais desagradável era o da banca de toucinho. Porque não dava tempo de lavar as mãos. Mal e mal as esfregava nas bocas dos sacos de cereais. Animava-me a certeza de que no fim de semana eu regressaria à Várzea. Teria regressado no dia seguinte ao da minha chegada se eu tivesse 5.000 réis no bolso.
No sábado, a certa altura da tarde, o sr. Adair voltou a falar comigo.
– Amanhã estou indo novamente a Glaucilândia. Você vai comigo. A gente toma uma cerveja e almoça na pensão da Donana. É uma comida muito boa. Depois vamos dar umas voltas no lugar. Quero apresentá-lo a algumas pessoas de lá. A loja fica fechada. É um dia só. Não faz mal.
E agora? – Pensei eu. Não posso desapontar uma pessoa que reconhece o valor da minha pessoa e me trata como gente e não como um caixeiro novato.
E adiei a minha viagem para o outro sábado.
Meu projeto de vida era ser advogado ou médico. Estava ali dando tempo ao tempo, para não ficar a-tôa, até conseguir emprego onde pudesse trabalhar durante o dia e estudar à noite. Minha conclusão era que esse caminho não passava por Juramento Velho. Ali era um recuo e não um avanço em meu projeto de vida. Eu estava trabalhando amargurado.
Na semana seguinte o sr. Adair teve uma conversa particular comigo. Aproveitou o horário de almoço dos outros caixeiros e me disse:
– Eu tenho observado que o pessoal da roça o cumprimenta e você, estando de costas, aviando mercadorias, responde sem se virar, sem dar atenção em quem o está cumprimentando. Isso não é bom. O pessoal da roça repara essas coisas.
Eu ouvi calado e calado fiquei. Mas compreendi muito bem e dei mais um crédito ao sr. Adair por me haver falado em particular.
Naquele mesmo dia, estava eu de costas para o balcão, enchendo uma medida de quatro litros, para atender a um freguês, quando ouvi a voz de um freguês chegante.
– Boa tarde, moço.
Aí me virei, executando uma volta de 180 graus e olhei, com um sorriso, o recém-chegado.
– Boa tarde, amigo. Vou atender ao senhor daqui a pouco.
Aquela volta de 180 graus não foi só no espaço físico. Eu tinha resolvido viver dentro da minha realidade. Meus sonhos de advocacia e medicina, muito bons, iam ficar arquivados. Voltei-me nesse giro de 180 graus para o que era real naquela fase de minha vida. “Agora vou ser comerciante. O melhor que puder”, eu disse para mim mesmo.
Isso foi no final de março. Em maio a firma recebeu um grande carregamento de mercadorias. Os carroções trabalharam mais de uma semana fazendo o transporte da estação ferroviária de Glaucilândia para Juramento. Os volumes eram abertos e a mercadoria era conferida e marcada com a marca ou código da firma, indicando o custo acrescido de um percentual referente ao frete e ao carreto.
O serviço era feito à noite, depois de fecharmos as portas da loja. Desde a primeira noite verificou-se que era eu quem fazia mais rapidamente e exatas as contas de redução dos custos à unidade, o cálculo do percentual a ser acrescentado e finalmente a transferência dos valores para o código da firma. Meu cacife cresceu dentro da firma. Daí por diante passei a revezar com os outros no atendimento no balcão das mercadorias mais nobres.
Nós éramos quatro a trabalhar na loja, incluindo o sócio-gerente. Todos, exceto eu, eram homens feitos, casados, com filhos, e antigos no estabelecimento. Pois bem. No fim do ano o sócio-gerente foi assumir a gerência da matriz, recem-transferida para Glaucilândia. Sabem qual dos três foi escolhido para gerente da filial de Juramento? Isso mesmo: este seu criado.
Em 1938 foi vendida a filial de Juramento e eu vim, transferido, para a matriz em Montes Claros, que operava com cereais e bebidas por atacado e na compra de algodão, mamona e couros.
Em 1940 a firma encerrou a atividade comercial e ingressou na indústria de beneficiamento de algodão sob a razão social de Sociedade Algodoeira Montesclarense, para a qual eu fui transferido como auxiliar de escritório e tesoureiro.

Em 1942 eu terminei o meu curso de perito-contador.
Em 1943 assumi a contabilidade da empresa.
Em 1945 meu salário subiu para CR$1.500,00 mensais, acrescido de 5% sobre o lucro da empresa.
Em 1952 um dos sócios fundadores da empresa resolveu retirar-se e ofereceu-me o total de sua participação, correspondente a 50% do capital da empresa. Comprei 35% e o outro sócio comprou os outros 15%.
Em 1956 assumi a gerência da empresa em Montes Claros.
Em 1960 comprei os restantes 65%.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)

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