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Mensagem: Ofícios de outrora A lembrança dos Reis Magos salinenses me levou de volta à antiga rua da Avenida, onde o Lô Latoeiro tinha sua pequena oficina, entre a casa das irmãs Galvão e a família Cardoso – parentes do Procópio Cardoso Neto. Lô tinha o lábio leporino, mas falava sem dificuldade, todos o conheciam e compravam sua arte. Ecologia e reaproveitamento eram temas desconhecidos, e ele já aproveitava o material de todas as latas de 20 litros de querosene Jacaré, de manteiga Oriente vindas da vizinha Pedra Azul e de outras para fazer grandes ralos usados na farinhada da mandioca, de que também se tirava a goma ou polvilho. Nas primeiras adaptava uma trave de madeira, e eram então usadas para buscar água no rio Salinas ou no chafariz da Rua da Lagoa. Das outras, fazia copos de todos os tamanhos, fifós enfeitados e lindas flores de metal. Mamãe me contava, muito admirada, que quando começou a trabalhar no grupo escolar Dr. João Porfirio, costumava percorrer com outra professora as casas mais distantes, cadastrando crianças em idade escolar. Então perguntava: -- “Qual o ofício do seu pai?” -- “Artista” Ela logo aprendeu que o artista dominava alguma arte e a tinha como ofício. Podia ser oleiro - a cerâmica do Jequitinhonha é famosa e já era praticada pelos indígenas - fazedor de cangalhas, tecedor de couro para chicotes, tacas, laços de gado e peadores, fabricante de selas e cabrestos, de rédeas de crina de cavalo, tecelões dos teares manuais, coletores e fiadores do algodão plantado nas roças. Também coletores de mel de jataí, de paina, de sucupira, montador de currais e cancelas, curtidores de couro de bois e carneiros, mestres de obra, pintores e fabricantes de móveis. Temos até hoje cadeiras de pau-ferro perfeitas, fabricadas em 1935 para o casamento dos meus pais. Salinas era uma colméia operosa em que o trabalho honrava, as pessoas se orgulhavam do seu ofício. Não havia padaria na cidade. Tia Tute e Vó Milota vendiam biscoitos de todos os tipos, bolos confeitados, Dona Viviu de Saint Clair vendia roscas, Siá Aninha Guedes os doces de frutas. Muitos fazendeiros traziam os requeijões até hoje famosos na região, queijos cozidos e marmelada embalada na palha de bananeira. Havia costureiras especializadas em lingeries, vestidos de anjo e em trajes de montaria. Dona Lica Cardoso Ladeia cosia a mão as mais lindas toucas de seda e renda para os nenéns recém nascidos, que não deviam ter expostos a moleira e os ouvidos. Minhas tias Zenólia, Dalva e Maria Ramos eram eméritas modistas. Faziam vestidos de noiva, outros de seda para o enxoval, além da lingerie que me encantava. Dona Nazinha Mendes fazia lindas flores de tecido, palmas para coroação de Nossa Senhora e grinaldas para as noivas. Nós meninas aprendíamos bem cedo a cozinhar, e também a montar a cavalo, a bordar com Dona Amorosa Bittencourt e Dona Olga Miranda nos ensinava a cantar. Ensaiamos com ela o Minueto e o apresentamos na festa organizada para receber Dom Antônio de Almeida Morais Júnior, Bispo recém nomeado para Diocese de Montes Claros. Os ensaios para o Reisado de Tia Angélica impediram a mim e a Lina de ir para a fazenda Indiana, o Tanque onde papai fazia questão de levar a família para as férias escolares. Ficamos então hospedadas na casa da tia Odília Cordeiro, filha do falecido Coronel Cordeiro. Irmã de Dona Quezinha e da falecida mãe do Tio Rodrigo – pai de Lina. Tia Odília, uma dama clarinha, miúda, mansa e encantadora morava na Rua da Baixinha. O terreno ao lado não tinha ainda construção e o fundo do quintal era a beira do rio. Havia um grande pé de frutas do Conde, colhidas “de vez” e guardadas na dispensa até madurar. Nesta despensa, bem escura e sem janelas, guardavam também doce de mamão ralado com casca, de bolinhas de queijo em calda, doce de leite, requeijões e tijolos. Uma noite fomos surpreendidas lá, Lina e eu, nos fartando com as sobremesas. Tia Odília apenas bateu as pálpebras de um jeito muito peculiar e nos aconselhou a lavar as mãos e voltar para a cama. Iara Tribuzzi Primavera de 2015
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